A artista brasileira Rosi Ferh apresentou a primeira parte da sua performance intitulada ULI – VOZ OFF. Trata-se de um projeto académico, constituído por recortes de memórias, relatadas à artista por vários imigrantes e refugiados.
Na sua performance há um momento definitivo e assustador. É quando a personagem principal apanha um papel a dizer “A Guerra vai começar”. De onde veio essa frase?
Um colega meu é da Guiné e passou por essa situação. O pai dele era militar, os meninos estavam a brincar na rua, passou um helicóptero e atirou os papeis para o ar. Essa memória do Tó Zé – assim se chama o meu colega -, serviu como o ponto de partida. Depois desenvolvi a ideia das fronteiras que a personagem vai atravessando. Incluí no meu trabalho também a história de uma menina da Palestina cujo pai é jornalista na BBC. Quando ela viu que a guerra começou, foi para a rua e começou a filmar os seus parquinhos, os lugares onde brincava. Só que não existiam mais. A única pergunta dela era: “porque estão a fazer isso?” Uma outra personagem é uma mulher refugiada que mora em Lisboa. Ela perdeu a sua família, perdeu a casa e isso impressionou-me muito. Ou sejam, verdadeiramente existe só na sua memória, pois é uma realidade que já não existe. Mas ao mesmo tempo estas pessoas refugiadas começam a pertencer a qualquer lugar.
Não só a Uli que é a personagem principal. O fio vermelho também é.
Sim, é um fio que nos une e ao mesmo tempo indica o caminho. Acho que estamos todos interligados. A cor vermelha do foi é o nosso sangue. A cor de sangue não depende da raça é igual para todos. No fundo podemos falar línguas diferentes, podemos ser de vários lugares do mundo, mas rezamos por mesmas ideias e temos os mesmos desejos.
ULI – VOZ OFF é um bom projeto para levar às escolas.
O projeto trata da efemeridade da vida. Faz pensar como nós desenhamos a nossa vida. A ideia é levar o projeto às escolas para que as crianças possam observar como que é feita a reflexão da vida, como nasce a curiosidade. É uma história para as crianças se poderem identificar com a Uli. Para o público novo eu tenho uma mala verdadeira com um fio vermelho. Dentro da malinha estão as memórias da Uli: uma chave de uma casa que não existe mais, mas que pode abrir uma imaginação; um relógio de corrente que é o tempo contado; um bonequinho dela; as fotos da família.
Porque é que ela se chama Uli?
O nome veio-me. Nem tentei imaginar o outro nome. Uli é um nome universal como e a questão dos refugiados é universal. Por isso é que ficou a ideia de VOZ OFF, para não limitar com um idioma concreto. Somos todos humanos, não é?
O projeto já está acabado?
Não. É preciso arranjar um financiamento para fazer a segunda parte. A ideia é fazer uma performance conversando com o vídeo que acabámos de ver. A ideia é interagir. Uli atravessa várias fronteiras: do cárcere onde sofre abusos; da censura, quando lhe negam comida ou cama às pessoas refugiadas; a fronteira da escolha, quando a Uli deixa tudo no campo de refugiados para ir e buscar algo mais. Essa é a interação onde entram os objetos da mala.
(Conversa-debate na Casa do Comum, 29 de junho)