Realizadores palestinianos revoltados com política “racista” de Hollywood

Hany Abu Assad, Elia Suleiman, Farah Nabulsi

Os cineastas palestinianos protestam com Hollywood. Sobretudo com a forma “desumana” como o genocídio em Gaza e na Cisjordânia tem sido tratado pela indústria de entretenimento. Não só desde os eventos horríficos de 7 de outubro passado, mas ao longo de décadas. Esse posicionamento ficou expresso numa carta aberta assinada por perto de 70 nomes grandes do cinema palestiniano acusando a indústria de Hollywood de racismo.

Entre eles, estão nomes como os do aclamado Elia Suleiman, (Intervenção Divina, 2002, O Tempo Que Resta, 2009, O Paraíso, Provavelmente, 2019), Hany Abu Assad (O Paraíso, Agora, 2005, Omar, 2013), duas vezes nomeado ao Óscar, Farah Nabulsi (The Teacher, 2023), recentemente vencedora de um BAFTA, ou mesmo Kamal Aljafari (A Fidai Film, 2024), que participou na Mostra que Somos Humanos, no final de junho passado e esteve em Lisboa para acompanhar a retrospetiva da sua obra na Cinemateca Portuguesa, durante o último IndieLisboa.

Bisan Owda

De referir que esta carta (em baixo a tradução integral) surge na sequência do trabalho que a jornalista, ativista e blogger palestiniana Bisan Owda de 25 anos tem feito nas redes sociais com a série de reportagens It’s Bisan From Gaza and I’m Still Alive (‘É a Bisan de Gaza e ainda estou viva’). Estes registos muito diretos a partir do centro do caos da crise humanitárias em Gaza mereceram não só um Peabody Award (o prémio equivalente ao Pulitzer para cobertura broadcast), como foram ainda nomeados para um Emmy (os Óscares da televisão) na categoria de ‘Outstanding Hard News Feature Story: Short Form’ (Excelente Reportagem de notícias duras: pequeno formato). Contudo, uma organização pró-israelita americana insurgiu-se alegando que Owda teria ligações com a Frente Popular de Libertação da Palestina (pertencente à OLP). Algo que viria a ser negado, por falta de fundamentos, pela Academia Nacional de Artes e Ciências Televisivas (NATAS), e pela validade dos seus registos (e que podem ser seguidos no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=cK7oytWs7vQ)

Aqui a carta assinada por dezenas de cineastas palestinianos:

“Nós, cineastas palestinos, apreciamos e agradecemos à Academia Nacional de Artes e Ciências Televisivas (NATAS) por resistir à pressão e insistir na liberdade de expressão ao defender a nomeação de Bisan Owda ao Emmy de Notícias e Documentários de 2024 pelo documentário, “É Bisan de Gaza e Ainda estou viva.

Este filme é narrado pela premiada e inspiradora jornalista palestiniana de 25 anos, Bisan Owda, que arriscou a sua vida para partilhar com o mundo relatos e histórias sobre a resiliência, resistência e sobrevivência das famílias palestinianas comuns face ao genocídio contínuo e transmitido ao vivo de Israel na ocupada Faixa de Gaza.

Tentar censurar a voz de Bisan é apenas a mais recente tentativa repressiva de negar aos palestinianos o direito de recuperar a nossa narrativa, partilhar a nossa história e, neste caso, chamar a atenção para as atrocidades que o nosso povo enfrenta, na esperança de que possamos pôr fim a elas. Compreendemos bem o poder da imagem e do cinema e, durante demasiado tempo, temos estado indignados com a desumanidade e o racismo demonstrados por alguns membros da indústria do entretenimento ocidental para com o nosso povo, mesmo durante os tempos mais difíceis.

Através dos nossos filmes, tentámos apresentar narrativas, representações e imagens alternativas para reverter a imagem estereotipada e desumanizada de “seres inúteis e descartáveis”, que permite encobrir e/ou justificar os crimes perpetrados durante décadas contra os palestinianos. Mas por que devemos sempre calçar as nossas “luvas de boxe” para defender a nossa arte contra a censura implacável que nos atinge apenas com base na nossa identidade e não na nossa criatividade?Saudamos sinceramente a nomeação do filme de Bisan Owda para um Emmy como uma indicação de que, depois de tantos anos de apartheid de Israel e de domínio colonial sobre o povo palestino, a desumanização implacável e de décadas dos palestinos em telas pequenas e grandes no Os EUA, em particular em Hollywood, começavam a dar lugar a uma postura mais ética. A tentativa de censura contra o filme, porém, foi uma espécie de verificação da realidade. Ainda temos de enfrentar e desafiar ferozmente a propaganda racista anti-palestina e anti-árabe que continua a prevalecer nos meios de entretenimento ocidentais.Embora estejamos profundamente preocupados com a forma como esta desumanização representa um perigo para a nossa própria existência como palestinianos, estamos cientes de como também coloca muitas comunidades racializadas em todo o mundo, incluindo no Ocidente, em risco de um destino semelhante ao do “poder que faz o credo certo” prevalece.Apelamos aos nossos colegas internacionais da indústria cinematográfica, visionários do tipo de mundo em que gostaríamos de viver, para se manifestarem contra este genocídio e o apagamento, o racismo e a censura que o permitem; fazer tudo o que for humanamente possível para parar e acabar com a cumplicidade deste horror indescritível; e opor-se ao trabalho com empresas de produção que são profundamente cúmplices na desumanização dos palestinianos, ou na branqueamento e na justificação dos crimes de Israel contra nós.”

Isto tem de parar. Agora. Assinado:

  1. Michel Khleifi
  2. Mai Masri
  3. Hany Abu Assad
  4. Najwa Najjar
  5. Elia Suleiman
  6. Rashid Masharawi
  7. Farah Nabulsi
  8. Mohammad Bakri
  9. Maha Haj
  10. Mahdi Fleifel
  11. Raed Andoni
  12. Kamal Aljafari
  13. Saleh Bakri
  14. Mohanad Yaqubi
  15. Tarzan Nasser
  16. Arab Nasser
  17. Ossama Bawardi
  18. Rakan Mayasi
  19. Khadija Habashneh
  20. Leila Sansour
  21. Khaled Jarrar
  22. Rula Nasser
  23. May Odeh
  24. Adam Bakri
  25. Iyad Alasttal
  26. Amer Shomali
  27. Carol Mansour
  28. Muna Khalidi
  29. Mohamed Jabaly
  30. Salim abu Jabal
  31. Suha Arraf
  32. Firas Khoury
  33. Randa Nassar
  34. Yasmine Al Massri
  35. Wisam Al Jafari
  36. Ismael El Habbash
  37. Muayad Alayan
  38. Sawsan Asfari
  39. Kamel el Basha
  40. Rozeen Bisharat
  41. Nadia Eliewat
  42. Ward Kayyal
  43. Maryse Gargour
  44. Amer Hlehel
  45. Ziad Bakri
  46. Aws Al-Banna
  47. Ahmed Al-Danf
  48. Basil Al-Maqousi
  49. Mustafa Al-Nabih
  50. Muhammad Alshareef
  51. Ala’a Ayob
  52. Bashar Al-Balbeisi
  53. Alaa Damo
  54. Hana Awad
  55. Ahmad Hassouna
  56. Mustafa Kallab
  57. Kareem Satoum
  58. Mahdi Karirah
  59. Rabab Khamees
  60. Khamees Masharawi
  61. Wissam Moussa
  62. Tamer Najm
  63. Nidaa Abu Hasna
  64. Nidal Damo
  65. Reema Mahmoud
  66. E’temad Weshah
  67. Islam Al Zrieai

(Fonte: Variety, 28 agosto)

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