O realizador iraniano Jafar Panahi é reconhecido como um exemplo de luta e resistência ao regime autoritário do seu país. O seu cinema é feito na defesa dos direitos humanos, mas também a causa da liberdade cinematográfica, pois não se integra dos clichés do género. É um dos mais premiados cineastas iranianos: ganhou os prémios principais dos festivais de Cannes, Locarno, Veneza e Berlim. Por se juntar à oposição política do Irão foi julgado, condenado a seis anos de prisão e proibido de filmar por 20 anos. Na sua resistência fez três filmes após a condenação e continua o seu trabalho. Panahi não viaja e nos últimos anos rejeitou os convites de grandes festivais. Mas este ano o realizador fez uma exclusão e veio à Arménia para visitar o Golden Apricot Film Festival na sua 21º edição. Apresentou três filmes e encontrou-se com o público no dia do seu aniversário para falar sobre futebol, cinema e liberdade.
Na sua retrospetiva está apresentado o filme Offside (2006) sobre o futebol. Agora que estamos na altura do Euro 2024 pode nos lembrar como nasceu essa história?
Foi uma história muito simples. A minha filha ainda era pequena, tinha 10 anos, e quis muito ir comigo ao estádio. No Irão a entrada de mulheres nos jogos de futebol não é permitida. Mas ela conseguiu iludir os guardas e viu o jogo comigo. Essa foi uma enorme motivação para fazer este filme. Offside foi feito há quase 20 anos, mas nunca foi exibido no Irão. A FIFA tenta pressionar o governo para deixarem as mulheres iranianas ver os jogos no estádio. Mas em vão…
Sente que a própria vida lhe fornece temas para trabalhar?
Sem dúvida. Eu sou um cineasta social. Tudo que acontece na minha sociedade eu reflito na minha arte. Agora dedico os meus filmes às pessoas que lutam pela vida e pela liberdade. O meu trabalho é fazer filmes, por isso, tudo que eu quero dizer e tudo que me perturba está no meu cinema.
O que o motiva para fazer cinema no Irão?
Vou tentar explicar. Antes de mais, acho que não há filmes bons ou maus. É uma questão de gosto: uns gostam de uma coisa, outros de outra. Mas o que é mais importante é o ponto de vista do autor e a sua relação com o mundo. É importante como o artista vê a realidade e o que ele espera do cinema: ganhar um grande público ou levar o público atrás do seu cinema. Deste ponto de vista depende o tipo de cinema que o realizador faz. 95% do cinema são filmes cujos realizadores correm atrás do público. E só 5% de cineastas são capazes de dizer: ‘eu vejo o mundo dessa forma e quero que vocês venham comigo’. Nesses 5% é que se encontra a arte. Um cineasta verdadeiro está pronto para prescindir de muitas coisas para poder fazer a arte ou para ultrapassar muitos obstáculos para realizar as suas ideias. Não tenho vergonha de nenhum dos filmes que tinha feito. E sempre estive e estou pronto para qualquer tipo de dificuldades e problemas.
Como consegue filmar num estado dominado pela censura, sobretudo depois de lhe ser retirada a autorização exercer a atividade de realizador? Como consegue encontrar a equipa e o dinheiro?
Isso pode parecer muito difícil, mas só quando é visto de fora. Mas dentro do Irão sempre se consegue arranjar formas de sobreviver. O trabalho dos cineastas num país com ditadura e censura é mesmo o de encontrar esse caminho. Claro que não é muito fácil, pois há uma questão de orçamento. Só que muitos produtores pelo mundo inteiro, sabendo a minha situação, oferecem a sua ajuda. No entanto, não quero trabalhar com nenhum produtor, prefiro arriscar com o meu próprio dinheiro. Porque? Porque se eu não ficar satisfeito com o filme, posso não o mostrar. Mas se tiver os outros produtores vou ter de cumprir o contrato, vou deixar de ter a minha liberdade. De resto, trabalho com um pequeno grupo, estou rodeado pelos amigos que muitas vezes não aceitam pagamentos. A coisa mais importante é ter um grupo muito harmonizado, porque o filme não pertence ao realizador, ele pertence a todos que o fizeram.
Depois da sua sentença começou a entrar nos seus filmes. Como foi isso?
Antes de ser condenado eu podia estar na sociedade e ver o que estava a acontecer. Só que acabei por ficar proibido de fazer cinema. na altura, pensei que devia inventar um filme que não fosse um filme. Comecei então a filmar em minha casa, o meu amigo e eu próprio. Depois chamei àquilo Isto Não É um Filme. No entanto, eu tinha uma outra motivação: os cineastas jovens ou os estudantes queixam-se de que não é fácil fazer filmes no Irão, mas eu queria dar-lhes uma resposta e mostrar que tudo é possível. É importante encontrar a maneira de filmar, não interessa se vai ser com uma câmara profissional ou com um telemóvel. Se não tiveres ideia as melhores câmaras não vão ajudar. Para o filme Táxi, pensei, se não posso ser realizador, terei de ganhar dinheiro para viver”. Foi então que comecei a trabalhar como motorista de taxista, colocando a câmara para filmar os passageiros. Assim, foi feito um filme que não é um filme é uma realidade. A ideia e a liberdade está no nosso pensamento, na nossa cabeça.
Ariuna Bogdan, em Erevan