Askold Kurov: “É importante continuarmos a lutar pela liberdade e pela democracia”

No festival MDoc, em Melgaço, foi apresentado o filme Of Caravan And The Dogs, uma produção alemã realizada pelos cineastas russos Askold Kurov e Anonymous 1. Trata-se de um registo histórico muito forte que mostra as ameaças do governo russo às média independentes, organizações e ativistas com a posição anti-guerra e defensores da democracia. O filme revela como os vencedores do Prémio Nobel da Paz, Dmitriy Muratov, da “Novaya Gazeta”, e a ONG “Memorial”, tentam resistir e continuar o seu trabalho, no contexto da invasão russa da Ucrânia, mas também como vários órgãos de comunicação e jornalistas foram obrigados a cerrar a atividade e sair do país.
Não deixa de ser curioso como a exibição deste filme coincide com a recente troca de prisioneiros que permitiu libertar 16 ativistas, dissidentes e jornalistas de várias nacionalidades detidos nos últimos anos sob acusações de “extremismo”, “espionagem” e “traição à pátria”.
Aliás, este tema foi abordado durante a Mostra que Somos Humanos, ocorrida entre os dias 28 e 29 de junho, no encontro dedicado a prisioneiros políticos e na abertura da exposição da ONG “Memorial”, no ISCSP. Justamente nessa exposição está o nome do presidente Oleg Orlov, de 71 anos, está entre a troca de prisoneiros. Após a sessão, Askold Kurov falou com o público, cujo diálogo reproduzimos:

Como foi possível filmar esses eventos e ao mesmo tempo manter uma certa distância para criar o seu documentário?
Começamos a filmar em 2021. Inicialmente o filme era para se focar apenas num facto histórico chamado Navios dos Filósofos, algo que aconteceu em setembro e novembro de 1922. Nessa altura, o governo soviético expulsou do país centenas de intelectuais dissidentes, entre quais, escritores, poetas, cientistas, mas sobretudo filósofos. Lev Trótski comentou a operação: “Expulsamos essas pessoas porque não havia razão para as matar, mas era impossível tolerá-las”. Infelizmente desde aqueles tempos até agora as coisas não mudaram muito. As leis russas tornaram impossível o trabalho das médias independentes, sobretudo depois do início da invasão da Ucrânia. Foi nessa altura que o projeto sofreu algumas alterações. Começámos a acompanhar as médias independentes e isto torou-se a nossa narrativa principal do filme.

Acha que o seu filme poderá ser exibido na Rússia?
A censura na Rússia é enorme. Por isso, nos genéricos em vez de nomes nós colocámos Anonymous 1, Anonymous 2 etc. São as pessoas da equipa que continuam na Rússia e podem ser presos ou sofrer consequências. Claro que é impossível exibir o filme lá. Mas em 2022, quando estávamos a filmar, colocávamos algumas gravações no YouTube para o público russo poder as ver. Só que agora o governo começou a tornar o YouTube cada vez mais lento e anuncia o bloqueio total da plataforma.

Agora está fora da Rússia, mas continua o seu trabalho anti-regime. Sente-se seguro?

Acho que me sinto mais ou menos seguro, mas é tudo imprevisível. Estou muito mais preocupado com os colegas que ficaram na Rússia. Por exemplo, há pouco tempo um diretor da fotografia foi preso por ter filmado um projeto para a Fundação de Navalny. Isso tudo se torna cada vez pior. Uma pessoa na rua com uma câmara nas mãos fica logo suspeita e pode ser presa.
Acho que o filme é importantíssimo para o mundo inteiro e não só para a Rússia.        
Também me parece que não é um assunto atual só para a Rússia. Nós lá tínhamos alguma liberdade de expressão, mas ela desapareceu logo a seguir à guerra. Foi tudo tão rápido… Isto pode acontecer em qualquer país. É importante continuarmos a lutar pela liberdade e pela democracia.

Ariuna Bogdan, em Melgaço

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